Como o movimento enxerga o cenário político atual?
O cenário político que vivemos é de desorganização da esquerda e de avanço da direita. Desorganização da esquerda, porque existem diversas pequenas organizações (como nós) pulverizadas, que muitas vezes não conversam, que não entram num acordo sobre a gravidade da nossa situação, sobre nosso distanciamento em relação ao cotidiano da classe trabalhadora, sobre o que podemos e o que devemos fazer para produzir mudanças estruturais no Brasil de modo eficaz. E avanço da direita, porque eles sempre têm tudo a favor deles, têm mídia, judiciário, polícia, exército, o conjunto da burocracia estatal, a maioria dos políticos e, acima de tudo, muita grana, então pra eles foi muito fácil avançar quando nos viram desmantelados. Agora até movimento “popular” eles têm; a gente precisa compreender até que ponto eles podem avançar.
Essa “desorganização da esquerda”, por sua vez, é muito mais em um nível social do que político-partidário. A experiência dos governos petistas pacificou muitos movimentos sociais e emperrou o sindicalismo combativo que haviam gestado o próprio PT como alternativa política. Além disso, promoveu uma enorme despolitização da sociedade com aquela história de inclusão social passiva pela via do consumo e das políticas públicas focalizadas e não pela via da luta por direitos universais. O sonho de todo o período de redemocratização do país era criar uma esquerda que levaria adiante as lutas por transformações profundas na sociedade brasileira, que se chegasse ao poder pelas vias eleitorais iria atuar no sentido da socialização do poder, que não iria governar o povo, mas que tentaria induzir o povo a governar. Na contramão disso, a mentalidade palaciana da cúpula do PT ficou muita clara, por exemplo, na formulação da política econômica, que foi onde o PT cavou com os próprios pés o abismo da atual crise financeira do Estado que tirou concretamente a sustentação social do segundo governo Dilma.
Mas mesmo no auge dos governos de conciliação de classes do PT nós tivemos grandes mobilizações de rua em junho de 2013 e um enorme ascenso de greves muitas vezes levadas adiante contra as direções sindicais conciliadoras. Essas batalhas nos mostraram que um novo ciclo de lutas está nascendo nos últimos anos, que nem tudo está perdido e que ainda há muito a fazer.
E como vocês se inserem nesse cenário político?
A Política Econômica da Maioria (Poema) é um movimento social sem vínculos partidários, sem hierarquias e sem personalismos que luta por medidas concretas de política econômica que garantirão o financiamento dos direitos sociais, trabalho para todos e bons salários; enfim, avanço em direção à igualdade econômica. Nós surgimos agora no começo de 2016 e atuamos na difusão de uma agenda econômica alternativa a que já vinha sendo apresentada pelos governos neoliberais do PSDB e especialmente no segundo mandato da Dilma, guardadas as diferenças de intensidade, e que agora está sendo levada ao paroxismo pela junta financeira que governa o país. Tudo se passa como se não existissem alternativas. Mas elas existem e elas vão começar a aparecer com maior nitidez quando uma grande quantidade de pessoas cair na real sobre o que está de fato acontecendo.
Não existe neutralidade na economia e a política econômica em curso beneficiará um grupo reduzido que tem quantias absurdamente grandes de dinheiro. É uma política pensada sob medida para beneficiar os banqueiros, alguns monopólios não-financeiros e, em geral, gente podre de rica daqui e de fora do país.
Sob o falso pretexto de conter a inflação, que explodiu em 2015 por causa da elevação brutal dos preços administrados (água, luz e combustível) e dos alimentos, o governo decidiu elevar a taxa básica de juros às alturas, mesmo que isso não tivesse nenhuma relação com o que estava de fato causando a inflação. O único efeito prático dessa medida foi gerar enormes rendimentos aos banqueiros e demais pessoas ricas que compram os títulos da Dívida Pública, no grosso referenciados na taxa básica de juros. Então, com o país em recessão, os grandes capitalistas se protegeram da crise, sem investir na atividade econômica, mas apenas devido ao parasitismo financeiro.
Com isso eles geraram dois problemas para os quais eles já tinham as soluções na manga: crise fiscal do Estado brasileiro e desemprego. Com uma crise fiscal fabricada pela própria política econômica em curso eles tinham o pretexto perfeito para encaminhar ajustes que tornavam o parasitismo rentista sustentável no curto prazo (todos os cortes orçamentários de 2015 e o pacote de privatizações anunciado por Temer), no médio prazo (o “teto de gastos”, antiga PEC 241, agora PEC 55 do Senado) e no longo prazo (reforma da previdência). Com mais de 12 milhões de pessoas desempregadas eles tiveram também um bom pretexto para começar a encaminhar uma reforma trabalhista que garantirá ao conjunto dos capitalistas que atuam no Brasil a retomada dos lucros por meio da restrição de direitos.
Nós da Poema existimos basicamente para criticar essa política econômica dos milionários e dos bilionários, que controlam todas as instâncias de formulação e deliberação da política econômica, distantes dos anseios do povo, e para mostrar que existem alternativas para os problemas econômicos mais imediatos que não pesem sobre a esmagadora maioria da população.
Nós defendemos, por exemplo, uma Reforma Fiscal e Tributária baseada no combate à sonegação dos ricos, na melhoria da política de cobrança das dívidas que as grandes empresas têm com o Estado, na revisão de isenções fiscais a grandes empresários, na redução da taxa básica de juros para nível próximo à inflação projetada (o que tem enorme impacto fiscal), na solução do problema da Dívida Pública começando por uma auditoria.
Defendemos também, para solucionar de vez o problema fiscal, um reequilíbrio da carga tributária, que cobre mais impostos de quem tem mais e menos de quem tem menos, com maior tributação sobre grandes rendas, patrimônios e heranças e menor tributação sobre o consumo e as rendas mais baixas. Não precisamos de austeridade.
Além disso, é possível um outro projeto de desenvolvimento para o Brasil, no limite, um desenvolvimento para além do capitalismo, já que a política econômica da minoria não é nada mais que o “arroz com feijão” do capital: cada vez mais mercantilização, espoliação e exploração. O que está em jogo é a privatização dos nossos direitos, o roubo dos nossos impostos e fazer com que a gente trabalhe mais para enriquecer ainda mais alguns poucos.
O que vocês acham que precisa ser transformado no modo como os atores desse cenário pensam e agem? Quais perspectivas de mudança o movimento tem em mente?
Precisamos reconquistar uma perspectiva de transformação mais claramente definida. Precisamos cada vez mais enxergar as raízes dos nossos problemas e resolvê-los a partir daí. Nós costumamos nos ater aos efeitos quando deveríamos falar abertamente das causas. No geral as pessoas percebem o Brasil como um país muito problemático, insuportável, que precisa ser mudado, mas há pouca densidade de um debate a respeito das causas de todos esses problemas que muita gente está careca de saber.
Quanto a nós, nossa intenção é trocar ideia com todo mundo que está de fato lutando por um mundo melhor. Existe uma enormidade de coletivos e movimentos trabalhando diversas pautas concretas na sociedade. Nós também falamos de questões muito concretas mas que são comuns a todas as outras. Uns lutam por saúde, outros por educação, outros por moradia, outros por transporte; nós lutamos pelo dinheiro para tudo isso. Nós somos um pequeno lembrete de que é preciso não esquecer do sentido comum de todas essas lutas. Essas lutas todas são a mudança, a gente só não pode ficar batendo cabeça.
O fato de que nos reivindicamos um movimento de “retaguarda” (e não de vanguarda) foi cuidadosamente pensado para que possamos atuar em conjunto e de forma horizontal a outros movimentos, de certa forma com intenção de servir de “cola” à luta por direitos sociais mas mantendo o respeito à autonomia dos outros movimentos. A existência do nosso movimento não faria sentido se os outros movimentos não existissem. Temos consciência, portanto, de que é necessário repensar a forma como nos articulamos em coletivos, visando maior respeito entre estes.
Vocês poderiam indicar quais são esses movimentos e coletivos que vocês acham essenciais para a mudança?
A Poema apoia por princípio todos os movimentos e coletivos que lutam por Reforma Urbana, Reforma Agrária, Passe Livre, melhoria do SUS público, gratuito e para todos, melhoria da educação pública, gratuita e para todos, desmilitarização da polícia, democratização das comunicações, contra a política de encarceramento em massa, pelo fim da guerra às drogas por meio de ampla legalização, demarcação de terras indígenas, ribeirinhas e quilombolas, igualdade de gênero, igualdade racial, liberdade de orientação sexual e de identidade de gênero. Também apoiamos aqueles que afirmam lutar por uma “maior democratização do Estado brasileiro” e aqueles que lutam pela difusão de uma mentalidade ligada à participação popular, uma democracia real. E também temos uma imensa simpatia por qualquer um que se coloque contra essa insanidade econômica que é pensar que se pode “crescer” infinitamente em um planeta finito, de modo que a sustentabilidade ambiental é uma questão incontornável que coloca em cheque ou o capitalismo ou existência humana na face da Terra.